segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Onde encontrar consolo em tempos de crises


Onde encontrar consolo em tempos de Crises?

(II Co 1, 1-12 )
A vida é marcada por conflitos, desafios e projetos. Em certas ocasiões parece que nos encontramos em um paradoxo ou labirinto sem fim, não vemos nenhuma saída e nem retorno que nos garanta segurança. Nesses momentos todas as nossas expectativas parecem entrar em colapso e, inertes frente a tais situações entramos em pânico e desespero.
O apóstolo Paulo, um homem de origem judaica convertido ao cristianismo, por viver no âmago da sociedade greco-romana compara a vida cristã ao desafio do atleta. Sabemos que a vida do atleta é marcada por desafios e conquistas, mas também por sofrimentos e derrotas, e na ansiedade pela vitória, encontra-se sob fortes emoções e reações.
A realidade nos mostra que o mundo tem se tornado cada vez mais opressor e individualista, cada um está preocupado com os seus problemas particulares. Não sobra tempo para compartilhar  fracassos, alegrias, frustrações, afeto e outros sentimentos que fazem parte da vida. Isso tem causado tamanhas discriminações que chegam ao cúmulo do segregacionismo entre as pessoas e as torna insensíveis ao sofrimento das outras.
Esse comportamento ativo ou passivo no seio da atual sociedade nos leva a refletir sobre a necessidade da consolação e dos seus aspectos práticos na vida da igreja em reposta à situação vigente em nosso mundo.
Nesse sentido, somos obrigados a admitir que o assunto atual é um dos temas da mais alta relevância na vida da Igreja no Século XXI e que, alheio a tal responsabilidade, esse tem sido um dos temas pouco discutido dentro da nossa teologia, estudos bíblicos e classes de escolas dominicais.
Caixa de texto: A consolação é um aspecto prático da ação divina que gera uma comunidade solidária  e age de forma terapêutica nos estimulando a superar os nossos problemas.A importância bíblica dada a essa palavra é tão grande que Jesus, no livro de João, promete aos seus discípulos O Espirito Santo e define-o como sendo o consolador. Paulo, o maior missionário da Igreja Primitiva é um dos que mais expressa tal sentimento em fins práticos no seu ministério apostólico. No texto sobre o qual vamos refletir, temos um grande exemplo disso que gostaria de compartilhar com essa igreja. Foi por ele motivado que nos propomos a refletir sobre a seguinte questão:

Partindo disso, como a igreja do século XXI deve entender em fins práticos a razão e propósito da sua consolação em um mundo tão conturbado como o atual?
Paulo nos dá pelo menos três referenciais, dos quais ele trata com a comunidade de Corinto e, por extensão em outras comunidades às quais, quando necessário, faremos alusão. Suas considerações são as seguintes:

1.  Na comunhão e Benção de Deus, o Pai.  (Origem)


O ato de louvor da parte de Paulo dirigido a Deus expressa muito bem esse reconhecimento: Deus é o Bendito Pai das misericórdias e de toda consolação, o termo aqui utilizado é e’ulogetós, expressão do hebraísmo que significa aquele de quem se origina todas as bençãos.
Nesses versículos podemos entender que a consolação não origina-se em Paulo, na superação dos seus obstáculos ou no pensamento positivo. Nem também em sua força, autoridade ou sabedoria, não provém exclusivamente da comunidade cristã ou do seu próprio ministério apostólico.
Paulo assimila a consolação perfeitamente dentro do contexto no qual estava vivendo desde quando se encontrou com Jesus no Caminho de Damasco. A partir de então ele passa de perseguidor a perseguido tanto por seus ex-amigos judeus que passaram a serem os seus opositores ( Doutores da lei, fariseus, escribas, saduceus) quanto de alguns dos seus amigos, que se diziam cristãos e apóstolos (Paulo os chama ironicamente de “”super-apóstolos’’), estes o acusavam de fraqueza, de não ser verdadeiramente apóstolo, por ele não ser sábio. Em virtude disso, a Igreja de Corinto estava vivendo uma crise partidária tamanha que deixa Paulo completamente preocupado. Fundada por Paulo ao passar dezoito meses naquela cidade por ocasião da sua viagem missionaria à Grécia (+_ 51-52a.C ), A igreja de Corinto era, apesar dos seus problemas, uma igreja fervorosa e companheira, mantinha alguns missionários e era muito estimada pelas outras igrejas por causa do seu testemunho.
Paulo está na segunda fase do seu ministério, saíra da fase de fundação de comunidades cristãs, está na fase de orientação dessas comunidades, esta fase “consistia em cuidar para que a vida cristã se desenrolasse segundo o projeto implantado com a evangelização e a fundação das comunidades. O Kerigma paulino era o critério de interpretação das escrituras nas comunidades por ele assistidas[i]”. Tanto Paulo quanto a igreja estão em situação de sofrimento. Isso significa dizer que aquela igreja tinha noção sobre o que Paulo pensava a respeito das acusações feitas a ele.
 Apesar da riqueza da cidade e de muitos dos membros da igreja, nela havia muitos pobres e estes estavam sendo discriminados naquela comunidade a ponto de Paulo denunciar as divergências entre as classes ricas e pobres, entre dons, etc. A licenciosidade sexual, reinante na cidade era tão grande que o verbo Korinthianidzomai- eu mim prostituo- indica a ação de prostituir-se, numa referência ao comportamento do povo de Corínto[ii]. Naquela igreja, Paulo encontra a resistência de grupos adeptos de tais comportamentos e sobre isso comenta em muitas partes da sua carta. Provavelmente ele está na Macedônia (9,38), de onde escreve a sua carta e aguarda ansioso notícias sobre a reação daquela igreja.
A divisão na Igreja de Corinto embora não fosse tão radical tratava-se de diferentes tendências algumas até mesmo de ordem filosóficas e da ênfase exagerada nos pregadores, chegando a ofuscar a ênfase no Cristo crucificado anunciado por Paulo.[iii]
 Essa situação, aliada às perseguições externas, às dificuldades do próprio ministério apostólico, à sensação de solidão e desprezo, somado à saudade que o apóstolo tinha dos seus filhos na fé, e aos problemas enfrentados nas demais comunidades, algumas das quais que se envergonhavam dele como prisioneiro, e à sensação de que a morte já estava se aproximando o põe em situação psicológica quase desesperadora.
 Paulo se defende de tais acusações, mas não abre mão de ser sincero e contar-lhes do grande sofrimento pelo o qual ele tem passado, também não rompe o seu relacionamento com aquela igreja[iv]. Nisso podemos perceber que Paulo, diante do sofrimento e acusação, insiste em sua postura terapêutica, ou seja, compartilha os seus problemas, ainda que algumas vezes lhe seja necessário pedir a sua comunidade que o suporte em sua loucura, pois a comunidade, é a causa da sua glória e alegria expressa claramente pelo amor que ele demonstra por ela.
Quando Paulo fez referência à consolação nós podemos notar que ele enfatiza o caráter do seu relacionamento com Deus. Ele usa a expressão grega PARÁKLESIS, cujo significado é consolação, encorajamento, conforto, denota o ficar ao lado de uma pessoa para encorajá-lo enquanto estiver suportando pesados  testes. Só a partir dessa observação notamos o estrito significado da origem da consolação presente na vida do apóstolo: é um relacionamento de pai para filho, baseado em sua misericórdia e seu consolo. Esse texto nos leva a entender que quanto maior for o relacionamento do homem com Deus tanto maior será a experiência do seu consolo. Assim, em um relacionamento, quanto maior for o seu conhecimento do nosso problema, maior será a compreensão que ela terá da dimensão da nossa dor e da nossa vitória e do que ela representa para nós.
Paulo, embora diante dos problemas, sente o consolo de Deus o Pai das misericórdias e de toda a consolação e faz questão de expressar-se à sua comunidade dando testemunho da sua ação consoladora: Ele é o Parakalôn, aquele que encoraja ou se apresenta para consolar.
Soren Kierkegaard, um dos precursores da filosofia existencialista, considerado um dos maiores estudiosos da angústia humana, em sua obra intitulada “Temor e Tremor”, refletindo sobre a sua crise e, fazendo algumas considerações sobre a vida de Abraão disse: “Tenho a certeza de que Deus é amor; esse pensamento possui, para mim, valor lírico fundamental. Presente em mim a certeza, sinto-me de modo inefável venturoso; ausente; estou ansioso por ela mais desesperadamente que a amante pelo objeto do seu amor”[v]. Até mesmo o existir apenas tem algum sentido enquanto nele está a presença divina[vi].
Nós como igreja atual devemos entender que a fonte do nosso consolo não está baseada em nosso patrimônio, capacidade intelectual ou mesmo na espiritualidade nosso seu pastor. Mas numa relação íntima segundo a qual podemos sentir através do envolvimento com Deus, o desdobramento da benção divina da consolação derramada sobre a igreja como um todo.
Nesse aspecto vale mencionar que o reconhecimento de Deus/Pai nos põe na condição de filhos e assim nos enquadra na família de Deus. Esta relevância e significado é da mais extrema abrangência para os nossos dias.  Do reconhecimento disso, brota nos corações daqueles que assim entendem e se propõem a viver essa realidade, um desafio e compromisso com a vida e estado no qual o meu irmão se encontra; e sendo ele parte de mim, a sua alegria deve ter implicações na minha alegria e o seu sofrimento no meu sofrimento. Somente juntos, podemos vivenciar o consolo que vem de Deus que em Cristo, age por meio de nós.
Levando em conta tal aspecto percebemos que a perda da dimensão familiar, um dos principais propósito com o qual a igreja foi por Deus estabelecida, tira do homem a graça da vida e o impede de gozar o consolo de Deus como sendo uma ação concreta da parte de Deus e que através dele somos tornados comunidade solidária que, consolando, somos consolados.
 

2. “Na partilha das experiências com a Comunidade”: (Propósito)


O segundo ponto ou consideração do aspecto prático da ação divina na vida da igreja para a superação dos seus problemas, diz respeito à finalidade da consolação enquanto propósito promotor e restaurador da comunidade e da solidariedade. A consolação vem à nossa vida como benção de Deus que nos conforta, mas também como exigência do testemunho da atuação de Deus sobre nós.
Nesse texto Paulo é enfático ao reconhecer e associar à consolação oriunda de Deus uma dimensão comunitária prática na vida da igreja de Corinto: Ele nos consola em nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação, através da consolação que nós mesmos recebemos de Deus.... Se somos atribulados, nós o somos para a consolação e salvação de vocês. Quando vemos que ao nosso lado que existem outros que estão passando por semelhantes situações projetamos as nossas esperanças. Neste sentido, vencemos ficamos felizes e percebemos a importância dos relacionamentos desenvolvidos ao longo da nossa caminhada  e da extensão da nossa vitória. Entretanto, essa felicidade será mais contagiante se a pessoa com a qual estamos comemorando tiver noção da extensão da luta pela qual passamos.
O ministério de Paulo fôra extremamente marcado pelo sofrimento, mas também pelo afeto deste para com a sua comunidade. Isto jamais foi escondido por ele no relacionamento com as igrejas por ele assistidas. Alguns textos das suas cartas demonstram com precisão tais sentimentos: Paulo gosta tanto dos tessalonicenses que estava disposto a dar além do Evangelho a sua própria vida em favor destes (I Ts. 2,8), eles são a sua glória, alegria, esperança, e coroa diante do Senhor (2,19-20); se alegra por sofrer pelos colossenses, pois vai completando em sua carne o que falta das tribulações de Cristo, a favor do seu corpo que é a igreja, da qual ele é ministro.
A misericórdia de Deus se expressa na vida de Paulo pelo chamado divino que o considerou digno para o seu serviço, apesar deste ter sido um blasfemo, perseguidor e insolente (I Tm). Este caráter da ação divina na vida do apóstolo serve como estímulo espiritual e terapêutico, promove a solidariedade entre ele e os membros da igreja de Corinto. Como se fosse um corpo no qual os seus membros são respeitados em suas funções, sofrem juntos e se estimulam mutuamente.
Porém, é com profunda angústia que às vezes somos obrigados a admitir que algumas igrejas atuais, senão muitas, já não podem ser comparadas a um corpo, mas a uma máquina, fruto da nossa sociedade mecanicista pós-moderna que no seu racionalismo exacerbado renegou sentimentos e emoções a segundo plano, colocando em seu lugar a força e a autoridade coercitiva. Na máquina, as suas peças ou engrenagens, semelhantes aos membros do corpo, têm uma função preestabelecida e inalterável. Porém, não há na máquina, qualquer tipo de percepção ou sentimento de uma peça em relação à outra e, diante da deficiência de uma, o que impera é a força e a autoridade da outra, não o estímulo existente no corpo. Quanto mais complexo é um corpo tanto mais uniformes devem ser os seus sentimentos. Uma igreja sem sentimentos é também uma igreja sem sentido.
È importante considerarmos como exemplo de corpo as primeiras comunidades cristãs dentre elas a de Jerusalém, uma das quais Paulo visitou por ocasião do Concílio de Jerusalém e que ali pode ver o testemunho de comunhão e solidariedade e recebeu o apelo para que não se esquecesse dos pobres (Gl. 2, 10).
Talvez não seja necessário organizar a igreja do Século XXI em todas as suas partes, exatamente de acordo com o padrão da comunidade de Jerusalém, a fim de renová-la. Mas para que a renovação aconteça será necessário tomar com toda a seriedade o espírito e a forma profundamente comunitária que surge do Shalom de Deus, que Jesus proclamou. Devemos escolher entre comunhão e egoísmo com princípios de vida[vii].
É lamentável, no entanto necessário reconhecer que no mundo em vivemos, devido a sua conduta excludente, até provocada pelo “progresso tecnológico” que deixa milhões de pessoas fora do mercado de trabalho a mercê da miséria e do sofrimento, a desilusão sucede o sonho. O desemprego, a fome, a violência, e a favela fazem parte do pesadelo. O progresso, o milagre da revolução industrial, faz, assim, milhares de vítimas.[viii] 
Em seu Livro Aliança Terapêutica. As dimensões da saúde, O teólogo e psicólogo italiano Sandro Spinsanti, professor de bioética na Faculdade de Medicina da Universidade de Florença e da Pontifícia Universidade de São Tomás, na Itália, faz um comentário que eu gostaria de compartilhar com esta igreja. Falando sobre doenças psicossomáticas ele diz: “O Evangelho anunciado pelo Messias pelo ministério da Palavra e das mãos, pelo anúncio do perdão e pelos gestos de compaixão é força que faz viver. A saúde que Ele concede não é simplesmente uma ausência de sintomas morbosos, mas o reflexo, no plano da pessoa total, da soteria (“salvação”), isto é, da vida em sua expressão máxima: do plano somático ao espiritual.”[ix]
Quando a igreja deixa de desempenhar a sua função terapêutica ela torna as pessoas neuróticas, complexadas, reprimidas, depressivas e até mesmo oprimidas. Nela espera-se, na maioria das vezes, encontrarmos um local de cura para a alma e um ambiente de partilha de sentimentos e emoções. Estas emoções vividas juntas a partir da experiência com o transcendente e com aqueles que por eles são influenciados, devem, de alguma forma, contribuir para a transformação da nossa vida como um todo. É inquestionável que da igreja se espera afetividade, relações sadias e esperanças em meio às angústias vividas neste mundo. Pois somente assim o nosso gozo será completo, redundando em ações de graças na comunidade.

3. Na fé e aceitação do sofrimento e vitória por meio de Cristo. (meio)


O terceiro e último aspecto que eu quero compartilhar com esta igreja é um ponto muito importante na vida e pensamento paulino. Paulo menciona que assim como os sofrimentos de Cristo são numerosos para conosco, assim também é grande a nossa consolação por meio de Cristo.
Somente situado na vida e contexto em que ele desempenhou o seu ministério podemos entender a importância e significado do sofrimento de Cristo para o entendimento da sua doutrina.
Sofrer o sofrimento de Cristo pode ser entendido como o meio pelo qual o homem se torna partícipe da glória de Deus, pois, se a ênfase da doutrina paulina está situada na ressurreição, ela somente pode ser alcançada através da participação do homem na morte e no sofrimento de Cristo. Essa concepção se opõe a gnóstica que pregava uma redução da mensagem evangélica às malhas do próprio “eu” espiritual e individual na gloriosa condição do Cristo ressuscitado e celeste. Pensava-se que os fiéis já tinham chegado ao ponto final, já estariam livres dos laços da história e do mundo, ressuscitados e triunfantes[x].  Para Paulo o grande mistério da vida cristã consiste em ser capaz de sofrer, pois, se com Ele sofremos por ele seremos glorificados, se com ele morremos com Ele também reinaremos. Jesus, aceitou o caminho da cruz.
Paulo considera, ainda, um privilégio sofrer pelo Evangelho.  O Evangelho ele é o poder de Deus para salvação de todos aqueles que crêem; é também uma das credenciais do seu apostolado (IIco 11,23-27). Judeu, filho de fariseu, zeloso no cumprimento da lei, e perseguidor da igreja, Paulo foi testemunha da fidelidade de muitos cristãos que por ele foram arrastados das suas casas e entregues às autoridades para serem presos e martirizados. Ao se converter ao cristianismo, vê diante dele o sentido da atitude dos seus irmãos perseguidos e o significado maior da vida e morte de Cristo: salvar o homem.
No texto em análise Paulo nos diz que a sua tribulação e sofrimento têm como propósito a salvação dos coríntios. A consolação presente em seu sofrimento serve para que eles possam suportar os mesmos sofrimentos pelo qual ele tem passado e assim possam compartilhar da mesma consolação. Em sua carta aos Gálatas, Paulo diz que por causa de Cristo tudo o que ele considerava como lucro agora considera como perda, pois diante do bem superior que é o conhecimento do Senhor Jesus Cristo, tudo o que parecia importante tornara-se como lixo. A fim de ganhar a Cristo e estar com ele, através da justiça proveniente da fé e apoiada na fé em Cristo, dada por Deus.
Nas atitudes e ensino de Paulo fica explícito que o sofrimento é interpretado como algo que o constrange e o entristece. Ele não se alegra do sofrimento, não é sadomasoquista, se alegra dos seus efeitos, é isto que lhe traz consolação. A palavra grega aqui empregada: Upomonê, ficar sob, paciência, perseverança, expressa suportar aquilo que lhe sobrevem contra a sua vontade. Paulo é até redundante quando diz que a tribulação que ele passou na Ásia o fez sofrer muito, além das suas forças, a ponto dele ter perdido a esperança de sobreviver. Sentia-se como condenado à morte, e a sua esperança já não podia estar apoiada nele mesmo, mas em Deus que ressuscita os mortos. Foi Deus quem o libertou dessa morte, e dela libertará a Igreja de Corinto; nisso está depositada a sua esperança, que Deus ainda o libertará da morte(8-10).
O pensamento paulino deve ser entendido, como já frisamos à luz do seu contexto histórico, cultural e teológico pois, este não surgiu do nada, nem vive fora do mundo da época ou alheio aos seus problemas. Paulo não é um resignado, nem cumpre o sofrimento como penitência. Mas é fruto da sua escolha por Cristo em um período anticristão.
A fé cristã, ao confessar “a ressurreição do corpo” não confessa a alienação dos cristãos em face da História. Ela fala em “ressurreição do corpo” para julgar a situação de morte em que nos encontramos. E a morte passa a ser considerada “o último inimigo a ser vencido”. Essa morte com todo o seu terror, é a mesma que se experimenta na História humana, sob o poder não só de Pôncio Pilatos, mas também de Nero, de Hitler, de Bush, e de todos os governantes prepotentes.[xi]
Em Paulo, vemos que sofrimento e consolo caminham lado a lado como fruto do seu relacionamento com Deus e com as igrejas por ele assistidas. Entretanto, somos também confortados e ensinados por ele a diante das dificuldades dar testemunho e compartilhar da razão da nossa esperança e do meio pelo qual a consolação nos é dada através do sofrimento e ressurreição de Cristo.
O apóstolo Paulo viveu uma intensa crise ministerial e porque não dizer até mesmo existencial. A nossa tendência quando lemos a sua história é espiritualizar o seu sofrimento porque assim ele se parece mais com o super-herói que criamos e que não passa por sérias crises. A Teologia da Prosperidade, de cunho triunfalista, não admite o sofrimento na vida cristã como sendo um fato natural presente na vida de qualquer ser humano. Não admitir a possibilidade de viver o sofrimento é criar um gnosticismo que nos tira da condição de seres humanos e ao mesmo tempo anular o sentido da mensagem da cruz e com ela a ressurreição de Cristo, meio pelo qual Deus nos liberta no presente e no futuro.
Isso não significa um conformismo nem tampouco um ato penitencial por meio do qual o homem será purificado, mas quando reagimos ao sofrimento, somos chamados a olhar para muitos dos nossos propósitos e reavalia-los à luz da vida em comunidade. A igreja cumpre a vontade de Deus quando também de forma prática age em favor da vida emocional das pessoas: ouvindo os seus problemas, incentivando-as à fé e ao compromisso e envolvimento com Deus e o seus semelhantes, procurando ajudá-las em suas necessidades gerais. E, mesmo diante do desespero e desconsolo pelo o qual o mundo está passando ela apresenta a vida eterna em Cristo que nos impulsiona na busca desse alvo e nos ajuda a superar todas as nossas limitações enquanto olhamos e seguimos o exemplo de Cristo Jesus nosso Senhor.

Conclusão


Portanto, este texto descrito na carta de Paulo aos Coríntios nos põe diante de um grande desafio: o desafio de sermos agentes de consolo no mundo em que vivemos. Sabemos que urge à igreja o reconhecimento de que em Deus há consolo e este é liberado a partir de uma relação de envolvimento recíproco entre Deus enquanto pai e o homem enquanto filho, mas também que se estende e se concretiza na minha relação com o meu próximo, imagem e semelhança de Deus que, muitas vezes em seu padecimento vive suportando dores semelhantes às de Cristo: desprezo, agonia, incompreensão, solidão, morte gradativa e outras .
Entendemos também que a consolação de Deus tem em si o propósito inclusivo e comunitário, pois uma vez revelado no sentimento do indivíduo, deve ser expresso por este, a fim de que aqueles que estão ao seu redor possam ser alcançados pelos mesmos sentimentos e assim poder sentir e compartilhar o consolo da parte de Deus e superar os seus traumas em comunidade.
Assim irmãos como podem analisar neste texto, percebemos que a consolação é uma ação divina que promove a restauração e é uma atitude prática na vida da igreja com o objetivo de gerar nela uma comunidade solidária que age de modo terapêutico na superação dos seus problemas.
Que Deus nos ajude a sermos agentes da consolação divina para estimular-mos aqueles que sofrem.


Sem. Israel de Souza Cruz



[i] PESCE, Mauro.  As Duas Fases da Pregação de Paulo.  Belo Horizonte: Loyola, 1996.
[ii] BITTENCOURT, B. P.  Problemas de uma igreja Local.  A Igreja de Corito e a Minha Congregação. São Paulo: Associação Acadêmica João Wesley,1962.
[iii] BARBAGLIO,  Giuseppe.  As cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1989.
[iv] BORSE, apud Schnelle, Udo. A Evolução do Pensamento Paulino. Belo Horizonte: Loyola, 1989.
[v] Kierkegaard, Soren  Aabier. Temor e tremor. Rio de Janeiro:  Ediouro. Grupo Coquitel.  Ano:?, Pág. 49
[vi] Op. cit. pág. 8.
[vii] DRIVER ,Jonh. Comunidade  e Compromisso. São Paulo: Editora Unida, Associação Evangélica Menonita, 1992. 
[viii] Fé cristã: Libertação do Cativeiro do Passado para  a Esperança. Ciências da Religião 5. São Paulo: Instituto Metodista de Ensino Superior. 1986.
[ix]  SPINSANTI, Sandro.  Aliança  Terapêutica.  As dimensões da saúde. São Paulo: Edições Paulinas. 1992. Pag. 81.
[x] Barbaglio,Op.Cit.
[xi] Fé cristã . Op. Cit.

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